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23 fevereiro, 2018
A inteligência do coração
A variação da frequência cardíaca exerce enorme influência em nosso estado emocional e, como consequência, nos processos mentais conscientes que dele emergem.
[caption id="attachment_495" align="alignright" width="202"] Heart Anatomy, 1884, autor desconhecido[/caption]
Quando alguém adoece após um período de muita pressão, o stress é sempre a causa mais suspeita. Décadas de estudos e muita mídia nos ensinaram a associar os oscilantes níveis hormonais à nossa situação emocional e garantiram fama ao cortisol, o hormônio stress, que se tornou o grande vilão da imunidade.
Na prática, não temos como acompanhar essas oscilações e nos resta acreditar que aqueles momentos de descontração – que com muitas manobras conseguimos incluir na agenda – mantenham em equilíbrio as estranhas substâncias que têm tanto poder sobre nosso bem-estar. Costumamos focar no controle dos processos mentais para administrar o stress e acabamos esquecendo de prestar atenção aos sinais fisiológicos que são tão confiáveis quanto níveis hormonais na identificação do estado emocional.
Uma ciência relativamente nova, a neurocardiologia, está comprovando que o coração tem muito a nos ensinar sobre nossas emoções e percepções: a variação da frequência cardíaca é um dos indicadores mais precisos do nível de stress e exerce uma enorme influência na forma como interagimos com o mundo. Hoje reconhecido como um complexo centro de processamento de informações, o coração se comunica diretamente com o cérebro por meio de vias neurais, hormonais, biofísicas (pressão) e eletromagnéticas.
A conclusão mais óbvia é de que essa comunicação aconteça de cima para baixo, ou seja: são as ocupações da mente que provocam determinadas emoções e, como consequência, alterações no ritmo do coração. Preservamos, sem questionar, a ideia de que a relação entre corpo e mente é dominada pelo cérebro. Assim, o equilíbrio nessa relação dependeria do domínio dos processos mentais – um controle que, como toda a decisão consciente, vem com certa carga de responsabilidade e, quando não bem sucedido, de culpa.
Mas aos poucos a ciência vem abalando essas convicções e mostrando que a relação é de influência mútua. Assim como acontece com o intestino, o coração dialoga com o cérebro por uma via de mão dupla. Um consistente corpo de pesquisas mostra que a variabilidade da frequência cardíaca reflete condições de saúde, capacidade de autorregulação emocional, resiliência psicológica e clareza de pensamento.
Ali no coração também são produzidos e secretados hormônios e neurotransmissores que causam grande impacto na forma como nos sentimos. Um deles é a ocitocina – substância conhecida como hormônio do amor e da conexão social, que age como neurotransmissor e é produzida em quantidade semelhante no coração e no cérebro, de acordo com pesquisas recentes.
O sistema nervoso intrínseco do coração está constantemente enviando informações ao cérebro pelas vias aferentes (ascendentes) do nervo vago e coluna espinal, influenciando diretamente as funções cerebrais. Basta lembrar o que acontece com nossa performance mental quando estamos sob pressão: no caos fisiológico provocado pela situação estressante, os lapsos de memória são muito mais comuns que as ideias criativas.
A consciência de que devemos nos acalmar pouco tem poder sobre esse estado. Já uma alteração induzida na resposta fisiológica – num movimento de baixo para cima – restabelece o equilíbrio biológico necessário e propício para o desempenho favorável da mente e do corpo.
Um estado de coerência cardíaca – termo que indica a harmonia e estabilidade do padrão de ritmo do coração – leva a uma sincronização entre sistemas oscilatórios, como a respiração. De acordo com os pesquisadores do instituto de neurocardiologia Heart Math, “emoções positivas, inclusive aquelas que são autoinduzidas, transformam o sistema inteiro em um modo psicológico harmonioso e globalmente coerente, o que pode ser associado a uma melhoria na performance do sistema, na capacidade de autorregulação e num estado geral de bem estar”, descreve Rolin McCraty, diretor de pesquisa do instituto, no livro Science of the Heart (Ciência do Coração).
Isso significa que com as técnicas certas podemos induzir mudanças fisiológicas que irão agir positivamente sobre os nossos sentimentos e, como consequência, pensamentos e atitudes. Há evidências, por exemplo, de aumento na coerência cardíaca com a prática de alguns minutos de respiração lenta e profunda (seis respirações por minuto). Outra técnica eficaz consiste no direcionamento da atenção aos próprios batimentos cardíacos enquanto se respira mais profunda e lentamente que de costume. A atenção focada ao ritmo cardíaco está associada à sincronização da comunicação entre coração e o cérebro, numa interação não apenas psicológica, mas energética.
Está no controle da atenção, portanto, o poder de regular as respostas fisiológicas e psicológicas a qualquer tipo de situação que nos tire do conforto. A mudança induzida de ritmo é capaz de transformar o estado emocional e, assim, todos os processos mentais que deles emergem, sendo favorecidos pelas emoções que consideramos positivas.
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