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2 agosto, 2017
Crianças gostam e precisam de repetição para aprender
Todas as semanas, faço a pré-seleção de dois ou três títulos infantojuvenis e incentivo as crianças em fase de alfabetização a escolherem um deles para ler com os pais em casa. No encontro seguinte, chegam prontas para reler e contar a história. Quando o livro é bom, essa tarefa - desafiadora para aquelas com dificuldade na compreensão da linguagem - é recebida com entusiasmo. Portanto, preciso ser exigente na seleção da literatura – no mínimo tão exigente quanto as crianças.
Geralmente, os títulos de que mais gostam são também aqueles que oferecem mais possibilidades de desenvolverem as habilidades verbais. Esses têm o potencial de transformar a relação dos pequenos com a linguagem. Acompanho de perto essa transformação, que vem com o aumento do interesse pela língua e pela busca de formas mais elaboradas de se expressarem.
Antes de se apaixonar por um dos livros da minha seleta biblioteca, a pequena Isa estava começando a reconhecer as sílabas e trabalhando para superar suas dificuldades na oralidade. Num dos encontros, chegou correndo com o livro na mão, dessa vez ansiosa para ler comigo aquele que logo virou seu preferido e ganhou o privilégio de visitar sua casa por várias semanas seguidas. A releitura proporcionou a ela familiaridade com o vocabulário, com o som e a grafia daquelas palavras – o que facilitou e acelerou de forma dramática a etapa da alfabetização e a articulação de sua fala. Quanto mais lia, mais gostava. Recitava passagens de cor e se orgulhava dessa capacidade.
Se crianças insistem nas repetições é porque faz parte de seu processo de aprendizagem. Prever o que vai acontecer, bem com o que está escrito, é para elas uma grande satisfação. Por isso, não apenas deixo que levem o mesmo livro sempre que quiserem, como fico orgulhosa quando mostram esse interesse.
Ao contrário do que acreditam muitos professores e pais, o ganho de qualquer habilidade ou conhecimento não está na quantidade de informações apresentadas ou de livros livros. Está na compreensão profunda e consistente de um conteúdo menor. E isso é possível por meio da velha e eficaz repetição.
Alguns educadores se arrepiam quando ouvem essa palavra. Compraram a ideia de que motivação é a nova repetição, como se estivéssemos tratando de recursos opostos e inconciliáveis. A motivação é de fato grande aceleradora da aprendizagem – e apesar do reconhecimento que conquistou, se mantém distante da prática na maioria das escolas. Mas ela não exclui a importância de repetir o que está sendo aprendido. Isso vale para qualquer conhecimento e habilidade.
[caption id="attachment_346" align="alignright" width="258"] Kate Greenaway[/caption]
Para crianças pequenas, repetições são fundamentais para o formação da consciência linguística. A repetição de sons da língua, presente em recursos como rimas e aliterações, constrói a percepção fonológica, que está na base da formação do leitor. E essa habilidade se desenvolve brincando, em momentos de leitura de versos, canções e jogos de linguagem – como a manipulação de fonemas.
Nesta fase da alfabetização, os livrinhos que brincam com sons e rimas são recebidos com entusiamo pelos pequenos leitores, pois mostram que a língua tem ritmo e pode ser divertida. Infelizmente, textos com esses recursos – que deram popularidade à extensa e maravilhosa obra do americano Dr. Seuss – não são facilmente encontrados nas livrarias brasileiras.
O livro que ajudou Isa a aprender a ler estava entre as valiosas narrativas que podem se tornar nossas aliadas no desenvolvimento das habilidades de comunicação das crianças. Mais que provocar a curiosidade com relação à sequência de acontecimentos, os representantes da boa literatura infantojuvenil mantêm os leitores atentos por despertar neles o interesse e fascínio pela linguagem.
Leia também: A falta de ritmo pode indicar problemas de aprendizagem.
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